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Crianças no celular? Como a pandemia mudou o modo como especialistas veem o uso de telas na infância

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por exemplo, defendeu, em recomendações publicadas em fevereiro, que crianças de menos de 2 anos não fossem expostas a nenhuma atividade em tela.

Marília TeófiloMarília Teófilo
Leitura: 6 min
Crianças no celular? Como a pandemia mudou o modo como especialistas veem o uso de telas na infância

As medidas de tempo de tela

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por exemplo, defendeu, em recomendações publicadas em fevereiro, que crianças de menos de 2 anos não fossem expostas a nenhuma atividade em tela.

Crianças de 2 a 5 anos deviam passar apenas uma hora por dia diante de telas. Para crianças de 6 a 10, no máximo duas horas por dia (e sempre com supervisão de adultos). Para os mais velhos e adolescentes, o limite é de três horas.

Um dos motivos é que sentar diante de telas muitas vezes equivale a consumir conteúdo passivamente, perdendo oportunidades valiosas (principalmente para as crianças menores) de praticar outras habilidades importantes (e mais enriquecedoras) vindas da interação presencial, do contato com a natureza e com os objetos físicos.

Outro é que as telas estimulam a produção de dopamina no corpo, que pode causar dependência ou levar a dificuldades para dormir e transtornos de comportamento, em casos mais extremos. Além disso, o uso das telas, em geral, favorece o sedentarismo, em vez de estimular as crianças a brincarem com coisas concretas e a se movimentarem.

Mas como dar conta disso em plena quarentena e sem a escola?

A SBP atualizou suas recomendações em maio, reconhecendo a importância das telas neste momento, mas pedindo que pais e cuidadores se esforcem para preservar o tempo das crianças para a saúde (mantendo horários de sono e de refeições), para o relacionamento afetivo e familiar que vá além dos eletrônicos, com cuidados redobrados com a segurança e a privacidade online e um tempo “para a família se conhecer, brincar e criar novas formas de interação e afeto”.

Para os menores de 2 anos, o guia defende que as telas devem servir apenas para “uso afetivo”, por exemplo, o contato com parentes.

Como fazer um uso saudável das telas?

Voltando, então, ao questionamento de Anya Kamenetz: quais outras métricas podem ser usadas para pais avaliarem se o uso de telas está dentro de limites aceitáveis? Eis algumas dicas sugeridas por especialistas:

1. A tela é útil se ajuda a manter contato com as pessoas. “Durante tempos extraordinários, com um alto grau de incerteza e irregularidade, é vital para as crianças brincar e se comunicar com amigos”, diz a Unicef. Se isso está sendo feito por videogames, videochamadas ou redes sociais de modo a oferecer uma conexão humana, tem valor.

2. Conteúdo mais calmo é mais positivo. Desenhos e games mais calmos ou que proporcionem autonomia em vez de apenas estimular o uso compulsivo são muito melhores para o desenvolvimento cerebral e para o comportamento das crianças, disse Jenny Radesky. “Escolha bom conteúdo, que não seja cheio de conflitos ou comportamentos idiotas”, sugeriu. “Fiz esse experimento com meus filhos. Quando os vi assistindo a um monte de vídeos de Star Wars, com personagens se xingando ou falando coisas irritantes, dei um basta.”

Depois de duas semanas limitando o consumo a desenhos mais calmos, as crianças também estavam mais tranquilas, disse ela. “Eles estavam se alimentando daquele nível elevado de energia. Isso foi com os meus filhos, não estou dizendo que é o que todas as famílias devem fazer. Mas vale prestar atenção em como seu filho está reagindo ao conteúdo.”

Da mesma forma, Anya Kamenetz diz que boa parte do tempo que as filhas passam no tablet é dedicado a ouvir audiolivros ou a assistir a contações de história, que exigem mais esforço do cérebro, tirando-o do estado de passividade.

3. Preserve rituais em família, o sono e o repertório ‘offline’. São as atividades em família — quaisquer que sejam, desde brincar juntos, assistir filmes, cozinhar e conversar — que vão ajudar as crianças a ter resiliência neste momento, argumentou Radesky.

Eisenstein também diz que muitas crianças ficam irritadas na ausência dos eletrônicos porque estão com pouco repertório de brincadeiras “offline”. Elas precisam de um estímulo inicial para ter ideias de como sair do círculo vicioso do uso constante da tela e brincar no mundo real.

As duas médicas são enfáticas ao dizer que a tecnologia é ruim quando atrapalha o sono, crucial para as crianças (e adultos) se desenvolverem e cuidarem de seu sistema imunológico. “Precisa desligar os eletrônicos pelo menos uma ou duas horas antes de dormir, porque a luz das telas bloqueia a produção de melatonina”, sugere Eisenstein.

4. Observe as emoções das crianças. A tela está fazendo mal, mesmo que seja para atividades escolares, quando a atividade não permite intervalos, deixa as crianças mais irritadas e ansiosas ou serve apenas de fuga para crianças em momentos de tristeza.

Ou seja, em vez de lidar com as emoções, um aprendizado que serve para a vida inteira, a criança as suprime com ajuda da tecnologia. Se a percepção dos pais for de que a tela está prejudicando mais do que ajudando a lidar com o momento atual, pode ser hora de buscar ajuda especializada.

Mas avaliar esse cenário exige observação dos pais, diz Kamenetz. “Podemos ter uma criança ficando até tarde jogando videogame, mas ela está solucionando um problema, bolando uma estratégia. É uma atividade intelectual. Outra criança pode estar completamente ansiosa ou depressiva e suprimindo seus sentimentos no uso compulsivo do videogame. Uma terceira pode estar apenas interessada em se reunir com os amigos enquanto joga, é um momento social de escape das pressões atuais. Como pai, olhando de fora, você pode ver a mesma situação: eles estão deixando de dormir porque estão envolvidos com o jogo. Mas, dependendo de o que estiver rolando com a criança, em apenas um dos casos está sendo de fato prejudicial. Nos demais, você pode negociar com eles e dizer ‘acho que é um pouco excessivo, porque quero que você durma, mas entendo que você queira jogar’. Isso exige bastante sensibilidade.”

5. Os combinados seguem valendo, mesmo na pandemia. Autorizar mais tempo diante da tela não tira a importância de fazer acordos prévios com a crianças e adolescentes, seja restringindo o uso dos eletrônicos a apenas algumas horas do dia e flexibilizando no fim de semana, seja conversando sobre conteúdos dos quais os pais não gostam ou discutindo alternativas caso as telas estejam prejudicando o sono ou causando mudanças de humor.

A Unicef defende “estratégias ativas”, como conversar com as crianças sobre sua experiência online e assegurar-se de que estejam usando apenas jogos e redes apropriados para sua idade.

6. Use as telas para atividades físicas. Especialmente para crianças confinadas em apartamentos ou locais pequenos, jogos ou vídeos online que estimulem exercícios são benéficos, diz o artigo da Unicef.

7. Pense no controle de danos. Se não podemos nos dar ao luxo de ficar sem telas, podemos bolar estratégias de redução de danos, defende Kamenetz. No caso dela, com filhas pequenas, isso significa se preparar com antecedência para crises de birra que surgem quando é hora de desligar — e que ela mitiga com muita paciência, lanchinhos, abraços e atividades que ajudem na transição das telas para o mundo offline.

“É ilusório pensar na ideia de perfeição”, diz ela à BBC News Brasil. “Todos erramos, e nossos filhos não serão anjos perfeitos diante no computador. E nós não poderemos impedir, porque estamos fora da nossa rotina e sobrecarregados. Então, precisamos entender que vamos errar, aprender e tentar consertar.”

Marília Teófilo
sobre o autor:

Marília Teófilo | CEO da Eduqhub

Sou Marilia Teofilo, mãe de cinco, empreendedora, designer de aprendizagem, Pedagoga, educadora, pesquisadora, escritora com doze livros publicados e apaixonada por educação, tecnologia e empreendedorismo. Me dedico ao desenvolvimento de pesquisas científicas sobre os benefícios que as ferramentas didáticas que fazem uso de tecnologias da informação e comunicação podem apresentar para o desenvolvimento de processos de ensino-aprendizagem com crianças que, assim como meu filho, foram diagnosticadas com transtornos como TDAH, dislexia e disgrafia.

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